A Universidade de
Harvard convidou Jung para a sua Conferência Tricentenária sobre Artes e
Ciências, em setembro de 1936, a fim de participar num simpósio sobre “Fatores
Determinantes do Comportamento Humano”. ¹ Quando desembarcou em Nova Iorque,
Jung tinha preparado uma nota para a imprensa, especialmente dedicada a expor
sua posição política – ou, como ele insistia em afirmar, apolítica. ² Após
deixar Nova Iorque, a fim de embarcar para a Inglaterra, foi entrevistado pelo
New York Times, no Hotel Ambassador, e o artigo, intitulado “Roosevelt ‘Great’,
Is Jung Analysis”, saiu na edição de domingo, 4 de outubro de 1936. O texto que
se segue omite os comentários do jornalista, exceto as citações indiretas de
Jung, apresentadas entre colchetes.
Antes de vir aqui, eu
tinha a impressão que se poderia obter desde a Europa de que ele [Roosevelt]
era um oportunista, talvez até uma mente variável, inconstante. Agora que o vi
e ouvi, quando falou em Harvard, convenci-me, porém, de que é um homem forte,
um homem realmente grande. Talvez seja por isso que muita gente não gosta dele.
[O Dr. Jung rendeu sua
homenagem aos ditadores, explicando a ascensão deles como resultado do esforço
dos povos para delegarem em alguém a tarefa complicada de administrar sua
existência coletiva, de modo que os indivíduos possam ficar livres para se
empenharem na “individuação”. Definiu este termo como o desenvolvimento por
cada pessoa de seu próprio padrão inerente de existência.]
As pessoas têm-se
mostrado perplexas com a guerra, com o que tem ocorrido na Rússia, Itália,
Alemanha, Espanha. Essas coisas cortam-lhes o fôlego. Perguntam-se se vale a
pena viver, porque perderam suas crenças, sua filosofia. Indagam-se se a
civilização terá realmente feito qualquer progresso.
Eu chamaria progresso
ao fato de, nos dois milhões de anos que existimos na Terra, termos
desenvolvido um queixo e um tipo decente de cérebro. Historicamente, aquilo a
que chamamos progresso é, no fim de contas, apenas uma rápida expansão do uso
de carvão e petróleo. Quanto ao resto, não somos mais inteligentes do que os
velhos gregos e romanos. Quanto às aflições atuais, é importante recordar
simplesmente que a humanidade já passou por tais coisas mais de uma vez e deu
provas de um grande sistema adaptativo, armazenado em nossa mente inconsciente.
[É a esse grande
sistema adaptativo em cada indivíduo que ele se dirige, explicou Jung, quando
um paciente o procura, derrotado em sua luta com os problemas de sua existência
individual.]
Juntos, o paciente e eu
voltamo-nos para o homem de dois milhões de anos que está em todos nós. Em
última análise, a maioria de nossas dificuldades provém de perdermos o contato
com os nossos instintos, com a antiquíssima e não esquecida sabedoria
armazenada em todos nós.³
E onde estabelecemos
contato com esse ancião em nós? Em nossos sonhos. Eles são as manifestações
claras de nossa mente inconsciente. São o encontro da história racial e de
nossos problemas externos correntes. Em nosso sono, consultamos o homem de dois
milhões de anos que cada um de nós representa. Batemo-nos com ele em várias
manifestações de fantasia. É por isso que peço a um paciente que escreva seus
sonhos. Usualmente, apontam o caminho para ele como indivíduo.
[O Dr. Jung disse que
sonhamos o tempo todo – é normal sonhar. Aqueles que dizem ter um sono sem
sonhos, insiste ele, meramente esquecem o que sonharam imediatamente após
despertarem. Em todas as línguas, sublinhou, existe um provérbio que alude àa
sabedoria de se dormir sobre qualquer problema difícil... Mesmo quando
despertos, concluiu o Dr. Jung, sonhamos; fantasias desenfreadas perpassam
rapidamente pelos recessos mais fundos de nossas mentes e, ocasionalmente,
chegam ao nosso conhecimento quando nossa atenção aos problemas externos imediatos
é reduzida pela fadiga ou a divagação.]
Há a esperança de
reparar um colapso sempre que um paciente tem sintomas neuróticos. Eles indicam
que o paciente não está de acordo consigo mesmo e os próprios sintomas
neuróticos diagnosticam usualmente o que está errado. Os que não tem sintomas
neuróticos estão provavelmente fora do alcance da ajuda por quem quer que seja.
Notas:
1. Para a contribuição de
Jung, “Psychological Factors Determining Human Behaviour”, ver CW 8, §§ 232 e
ss.
2. Nenhuma publicação
da nota para a imprensa foi localizada, mas o seu texto figura em CW 18, §§
1300-1304.
3. Cf. “Uma Conversa
Com Estudantes no Instituto” (1958), ver pp. 319 e ss.
Extraído de McGuire,
W.; Hull, R. F. C. C. G. Jung: Entrevistas e Encontros. São Paulo: Cultrix, s/d.