sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O Homem de Dois Milhões de Anos


A Universidade de Harvard convidou Jung para a sua Conferência Tricentenária sobre Artes e Ciências, em setembro de 1936, a fim de participar num simpósio sobre “Fatores Determinantes do Comportamento Humano”. ¹ Quando desembarcou em Nova Iorque, Jung tinha preparado uma nota para a imprensa, especialmente dedicada a expor sua posição política – ou, como ele insistia em afirmar, apolítica. ² Após deixar Nova Iorque, a fim de embarcar para a Inglaterra, foi entrevistado pelo New York Times, no Hotel Ambassador, e o artigo, intitulado “Roosevelt ‘Great’, Is Jung Analysis”, saiu na edição de domingo, 4 de outubro de 1936. O texto que se segue omite os comentários do jornalista, exceto as citações indiretas de Jung, apresentadas entre colchetes.

Antes de vir aqui, eu tinha a impressão que se poderia obter desde a Europa de que ele [Roosevelt] era um oportunista, talvez até uma mente variável, inconstante. Agora que o vi e ouvi, quando falou em Harvard, convenci-me, porém, de que é um homem forte, um homem realmente grande. Talvez seja por isso que muita gente não gosta dele.

[O Dr. Jung rendeu sua homenagem aos ditadores, explicando a ascensão deles como resultado do esforço dos povos para delegarem em alguém a tarefa complicada de administrar sua existência coletiva, de modo que os indivíduos possam ficar livres para se empenharem na “individuação”. Definiu este termo como o desenvolvimento por cada pessoa de seu próprio padrão inerente de existência.]

As pessoas têm-se mostrado perplexas com a guerra, com o que tem ocorrido na Rússia, Itália, Alemanha, Espanha. Essas coisas cortam-lhes o fôlego. Perguntam-se se vale a pena viver, porque perderam suas crenças, sua filosofia. Indagam-se se a civilização terá realmente feito qualquer progresso.

Eu chamaria progresso ao fato de, nos dois milhões de anos que existimos na Terra, termos desenvolvido um queixo e um tipo decente de cérebro. Historicamente, aquilo a que chamamos progresso é, no fim de contas, apenas uma rápida expansão do uso de carvão e petróleo. Quanto ao resto, não somos mais inteligentes do que os velhos gregos e romanos. Quanto às aflições atuais, é importante recordar simplesmente que a humanidade já passou por tais coisas mais de uma vez e deu provas de um grande sistema adaptativo, armazenado em nossa mente inconsciente.

[É a esse grande sistema adaptativo em cada indivíduo que ele se dirige, explicou Jung, quando um paciente o procura, derrotado em sua luta com os problemas de sua existência individual.]
Juntos, o paciente e eu voltamo-nos para o homem de dois milhões de anos que está em todos nós. Em última análise, a maioria de nossas dificuldades provém de perdermos o contato com os nossos instintos, com a antiquíssima e não esquecida sabedoria armazenada em todos nós.³

E onde estabelecemos contato com esse ancião em nós? Em nossos sonhos. Eles são as manifestações claras de nossa mente inconsciente. São o encontro da história racial e de nossos problemas externos correntes. Em nosso sono, consultamos o homem de dois milhões de anos que cada um de nós representa. Batemo-nos com ele em várias manifestações de fantasia. É por isso que peço a um paciente que escreva seus sonhos. Usualmente, apontam o caminho para ele como indivíduo.

[O Dr. Jung disse que sonhamos o tempo todo – é normal sonhar. Aqueles que dizem ter um sono sem sonhos, insiste ele, meramente esquecem o que sonharam imediatamente após despertarem. Em todas as línguas, sublinhou, existe um provérbio que alude àa sabedoria de se dormir sobre qualquer problema difícil... Mesmo quando despertos, concluiu o Dr. Jung, sonhamos; fantasias desenfreadas perpassam rapidamente pelos recessos mais fundos de nossas mentes e, ocasionalmente, chegam ao nosso conhecimento quando nossa atenção aos problemas externos imediatos é reduzida pela fadiga ou a divagação.]
Há a esperança de reparar um colapso sempre que um paciente tem sintomas neuróticos. Eles indicam que o paciente não está de acordo consigo mesmo e os próprios sintomas neuróticos diagnosticam usualmente o que está errado. Os que não tem sintomas neuróticos estão provavelmente fora do alcance da ajuda por quem quer que seja.

Notas:
1. Para a contribuição de Jung, “Psychological Factors Determining Human Behaviour”, ver CW 8, §§ 232 e ss.
2. Nenhuma publicação da nota para a imprensa foi localizada, mas o seu texto figura em CW 18, §§ 1300-1304.
3. Cf. “Uma Conversa Com Estudantes no Instituto” (1958), ver pp. 319 e ss.


Extraído de McGuire, W.; Hull, R. F. C. C. G. Jung: Entrevistas e Encontros. São Paulo: Cultrix, s/d.