segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Carl Jung na Time Magazine em 1955



Em 14 de fevereiro de 1955, o perfil do Psiquiatra Carl Jung figurou na capa da Time Magazine.

A faixa amarela diagonal no canto superior direito informava “Explorando a ALMA: Um Desafio para Freud”. O título do longo artigo na seção Medicina foi “O Velho Sábio”.


Segue abaixo a tradução da matéria, não foi encontrada referência sobre o autor da entrevista.

TIME MAGAZINE

Segunda-Feira, 14 de fevereiro de 1955

MEDICINA: O VELHO SÁBIO


Freud, Adler e Jung são nomes que personificam, acima de todos os outros, a exploração inquieta do homem moderno de sua própria mente, suas lutas pelo auto-conhecimento e para o controle de seus impulsos mais sombrios. No século 20, impulsionada pelas teorias detalhadas e pelos dogmas destes três homens, a psicologia explodiu nos consultórios e clínicas, espalhando-se por toda a vida e não deixando nada intocado - nem o amor, nem a máquina, nem a guerra, nem a política, nem a arte, nem a moral, nem Deus. Dos três pioneiros que construíram esta Era da Psicologia, Freud e Adler estão mortos. O terceiro, Carl Gustav Jung, ainda está, aos 79 anos, incansavelmente aventurando-se na vastidão da psique.


Na semana passada, envolto pela fumaça do cachimbo que rodopiava por seu cabelo branco e dava-lhe o aspecto de um alquimista medieval, Jung estava ocupado em um estudo antiquado, em sua casa de pé-direito alto em Küsnacht no Lago de Zurique. A obra em três volumes em que foi pontilhando o último "i" parecia estranha para um psiquiatra moderno: Representação dos Problemas dos Opostos na Filosofia Medieval Natural. "Um pouco abstrusa, hein?" Jung disse a um visitante. Em seguida, o riso balançou seus ombros pesados. “Eu devo rir! Eu tenho um problema infernal para fazer as pessoas compreenderem o que eu quero dizer”.

Para um homem que introduziu palavras como introvertido, extrovertido e complexo (em seu sentido psicológico) para o vocabulário padrão de milhões, Jung tem de fato uma grande dificuldade em fazer as pessoas enxergarem o que ele quer dizer. Isso é em parte porque ele tem explorado o yoga, a alquimia, contos de fadas, os ritos tribais dos índios Pueblo, filósofos românticos alemães, Zen Budismo, percepção extra-sensorial e os desenhos rupestres do homem pré-histórico, juntamente com uma estimativa de 100.000 sonhos. Mas quando o Dr. Jung é acusado de ter deixado a medicina em favor do misticismo, ele responde que a psiquiatria deve levar em conta toda a experiência do homem, desde o mais intensamente prático ao mais tenuamente místico.



Se os detalhes de seu trabalho são, por vezes nebulosos, seu objetivo geral é claro: ajudar o homem a viver em paz com seu inconsciente. Esse é o objetivo também dos outros "psicólogos profundos", mas Jung difere significativamente dos demais. Ele é um desafio constante para o legado de seu antigo mestre, Sigmund Freud, cujos ensinamentos têm afetado a visão do homem de si mesmo mais profundamente do que qualquer coisa desde a teoria da evolução pela seleção natural de Darwin.


A VISÃO FREUDIANA


Durante a maior parte da era cristã, a cura da mente era considerada parte do reino da alma. O Iluminismo aboliu a alma. O seu lugar foi tomado, nas mentes de milhões de pessoas, pela razão, que ficou acima de uma grande quantidade de instintos.



Quando Freud era jovem, a investigação científica e o materialismo governavam até mesmo a psiquiatria. A pesquisa foi destinada a encontrar causas fisiológicas para efeitos psíquicos. A grande contribuição de Freud foi a descoberta da mente inconsciente, a fonte de impulsos humanos que não se encaixam nesse sistema estreito.



Mas Freud ainda se agarrava ao cientificismo mecânico e material da sua época. Ele construiu um novo esquema da mente, detalhado e maquinal. O vapor que faz a máquina funcionar era a energia sexual ou libido. Na visão de Freud, o inconsciente era desordenado contendo material emocional, comumente considerado como esquecido, mas, na verdade, reprimido por causa de um conflito entre os desejos sexuais e os padrões pessoais ou sociais do que é aceitável.



Freud concluiu que para livrar os pacientes de suas neuroses, ele tinha que desenterrar o material reprimido e expô-la aos processos de limpeza da mente consciente. O conceito freudiano de libido, eventualmente, acabou sendo ampliado para incluir o amor e a amizade, mesmo que fossem ideias abstratas. Mas Freud estreitamente insistiu que o desejo de parricídio e incesto infantis, que ele chamou de Complexo de Édipo, era crucialmente importante em todos os seres humanos. Como Jung mordazmente colocou: “O cérebro é visto como um apêndice das glândulas genitais”.



De Viena, Alfred Adler, um antigo discípulo de Freud, logo rejeitou esta visão totalitária do sexo, e formulou sua teoria de que os seres humanos são movidos mais pelo poder por causa de sentimentos inerentes de inferioridade. Mas, no mundo freudiano, o ser humano fica sozinho, sem vontade de fazer escolhas morais livres, condicionadas por impulsos misteriosos e traumas, sobre os quais ele não tem controle. O trabalho criativo, as boas ações e a aspiração a algo são apenas "sublimação". A religião é geralmente uma forma de neurose; Deus é uma projeção da imagem do Pai.



É contra esta visão de vida, esta "psicologia sem psique", que Jung protesta em toda a sua obra.



A RESPOSTA JUNGUIANA



O inconsciente do homem, argumenta Jung, não é apenas uma cesta de lixo para experiências desagradáveis jogados fora pela mente consciente, mas um vasto depósito subterrâneo cheio de bem e mal. Para a maior parte dos eternos afetos humanos, aspirações e medos são exatamente o que parecem ser. A religião não é uma neurose, na visão de Jung; é uma necessidade humana universal e sentida profundamente.



Jung admite o grande mérito de Freud, acredita que seus métodos funcionam com alguns pacientes, notadamente aos mais jovens com problemas sexuais reais. Mas, diz Jung, Freud e Adler dizem para tudo, “Você não é nada, mas...” Eles explicam ao doente que seus sintomas vêm daqui ou dali e são “nada mais que” isto ou aquilo. A sexualidade, é verdade, é constante e está presente em toda parte; o instinto de poder certamente pode penetrar as alturas e as profundezas da alma; mas a própria alma não é unicamente, uma coisa ou a outra, ou até mesmo as duas juntas. Uma pessoa é apenas metade compreendida quando se sabe como tudo nele surgiu. Apenas um homem morto pode ser explicado em termos do passado. A vida não é feita apenas só de ontens.



A visão de Jung está ganhando cada vez mais respeito entre os intelectuais, clérigos, pessoas comuns. Está sendo refletido também entre os analistas*. A maioria dos analistas são freudianos dedicados que executam a sua profissão como uma espécie de loja fechada e destituem Jung como um escapista das duras realidades da vida. Mas há uma fragmentação constante: além dos junguianos e adlerianos, há todo um espectro de desviacionistas - seguidores de Karen Horney, Otto Rank, Erich Fromm, Harry Stack Sullivan, Franz Alexander, Melanie Klein. Há também mais e mais ecléticos que obtêm a maior parte de sua teoria de Freud, mas adicionam um pouco de Jung ou Adler ou uma pitada de Horney e Sullivan. Muitos deles hoje em dia admitem que a análise freudiana pode ter sido estreitamente embasada em impulsos sexuais, e que outras questões - até mesmo a religião - talvez possam ser  consideradas. Escreve Milton Sapirstein, analista da escola freudiana: “Cada vez mais, os psiquiatras parecem dispostos a aceitar as dependências da religião, causas sociais e movimentos de grupo como algo saudável e necessário, sem rotulá-los ‘a homossexualidade sublimada’ para uma figura paterna, ou um desejo de voltar ao ventre da mãe”.



Freud foi o Colombo que descobriu o hemisfério do inconsciente. Jung pode muito bem ser o Magellan a circunscrever toda a esfera da psique. [N.T. Ferdinand Magellan ou Fernão de Magalhães foi um explorador português que organizou a expedição espanhola para as Índias Orientais, que resultou na primeira circunavegação da Terra.]



DUPLO INCONSCIENTE



Na hipótese de Jung, a mente tem três camadas: 1) o consciente, que é apenas sobre o que todo mundo pensa que é; 2) o inconsciente pessoal (o que corresponde, mas apenas aproximadamente, para o inconsciente de Freud), em que ficam fatos esquecidos e material emocional reprimido; e 3) o inconsciente coletivo, que faz parte do patrimônio de toda a raça humana, e, portanto, uma espécie de piscina comum contendo os instintos e alguns padrões de comportamento mental.



O que dirige a máquina psíquica? Libido, diz Jung, mas ele usa a palavra de forma diferente de Freud: a libido de Jung inclui toda a energia psíquica. Ela pode fluir, diz Jung, em qualquer dos dois sentidos, em qualquer uma das duas dimensões. Quando ela está fluindo para a frente, do inconsciente para o consciente, um homem sente que sua vida está funcionando perfeitamente como ele conduz os seus negócios. A energia psíquica também deve fluir em sentido inverso, a partir do consciente para o inconsciente, como quando um homem relaxa de um estado ativo a um estado pensativo ou sonhador. Mas se este fluxo para trás dura muito tempo, a libido está sendo atraído por algo no inconsciente que está movendo-se em direção à consciência. Se isso não for feito de forma consciente, ela vai atrair em torno dela material similar que, então, forma um nó ou complexo.



A energia psíquica também pode fluir para dentro ou para fora. No caso de um indivíduo em que normalmente vai para fora, ele é um extrovertido. Quando ele percebe um objeto ou situação, sua primeira reação é projetar a sua energia para o objeto e para longe de si mesmo. Mas se ela flui para dentro, ele é um introvertido, e sua primeira reação é pensar algo do tipo “O que isso vai fazer comigo?”



Jung, em seguida, divide os tipos de personalidade em quatro classes, dependendo de qual das principais funções psíquicas as pessoas apresentam mais fortemente: sensação, pensamento, sentimento ou intuição. Qualquer um pode ser extrovertido ou introvertido em combinação com qualquer uma das quatro funções principais, Jung reconhece oito tipos básicos de personalidade. Mas ele tem dito repetidamente - infelizmente para o dogmatismo radical de conversas de coquetéis - que todo mundo é composto de uma mistura de modo que os rótulos são apenas um guia. Na verdade, existem algumas raras almas que desafiam a classificação em tudo.



ARQUÉTIPOS PARA TODOS



As coisas não são tão simples no inconsciente junguiano. Lá, Jung vê uma série de símbolos que representam os arquétipos. Ao escrever sobre eles, Jung, que tem um estilo vívido e imaginativo, às vezes soa quase como se estivesse escrevendo sobre seres vivos. Mas os arquétipos junguianos são simplesmente padrões e sentimentos antigos da experiência humana, repetidos várias vezes em todas as épocas e culturas. Eles ocorrem em duas formas principais: 1) em pensamentos individuais, sonhos e visões; 2) projetados como mitos, costumes ou crenças.



Quando Jung começou como um analista praticante, ele encontrou diversas vezes que antigos símbolos e rituais foram repetidos nos sonhos de pacientes do século 20 que não poderia ter ouvido ou lido sobre eles. Ele concluiu que o inconsciente coletivo da humanidade 1) é anterior à evolução da parte consciente da mente, e 2) forma os mesmos padrões básicos repetidamente. Em cada indivíduo, é claro, os padrões são dispostos de forma diferente. (Jung compara esta com o corpo, que é constituído pelos mesmos órgãos em todos os seres humanos, mas com variações individuais significativas).



Normalmente, a persona é classificada como o arquétipo mais aparente, embora pertença em grande parte a consciência. Esta foi a palavra dos atores romanos para a máscara que eles usavam para indicar seu pretenso caráter, e Jung o utiliza com o mesmo sentido: a face que cada indivíduo apresenta para o seu ambiente. Trata-se de um necessário e saudável jogo de atuação, facilitando as relações entre o mundo interior do homem e o mundo ao seu redor. A persona é prejudicial apenas quando se domina a verdadeira personalidade abaixo.



Um perigo, então, é que a persona pode cegar um homem para a existência de sua própria sombra. Esta sombra, parte do inconsciente pessoal, é o Mr. Hyde em cada Dr. Jekyll, o elemento inferior ou maligno que quer fazer o que o consciente ou a consciência proíbem. Isso é necessário para controlar a sombra, mas existe o perigo: quanto mais firmemente estiver estampada sobre a pessoa, maior será a força com a qual ela acabará por entrar em erupção.



ANIMA, MÃE-TERRA & SELF



Profundamente no inconsciente coletivo, Jung vê a anima, uma forma de personificação do “princípio feminino” no homem. Por este termo, Jung considera todos os traços que no homem convencionalmente consideram-se femininos, por exemplo, gentileza e apreciação das coisas boas, mas também mesquinhez e raiva. Mais importante, a anima também permite ao homem “apreender a natureza das mulheres” - é a imagem inconsciente do que uma mulher deveria ser. Isso pode variar de Helena de Tróia para Ela de Rider Haggard, uma atriz ruiva de cerca de 20 anos de idade com quem um professor universitário idosos foge. A anima, explica um discípulo Jung, “tem atributos que aparecem e reaparecem através dos tempos. Ela sempre parece jovem, embora muitas vezes sugira ter anos de experiência. Ela é sábia, mas não tão formidável assim; é por vezes ‘algo estranhamente significativo’ - algo como um conhecimento secreto se apega a ela.” “Quando essa imagem é projetada em uma mulher de carne e osso, um homem se apaixona, mas o problema surge quando ela não consegue se encaixar em seu projeto pré-fabricado inconsciente.



O correspondente da anima no sexo feminino é o animus, a personificação de todas as características do sexo masculino em uma mulher, e sua imagem do homem coletiva, que é herdada.



Outros arquétipos mais importantes são o velho sábio e a terra-mãe. O velho sábio pode aparecer em sonhos ou fantasias como um rei ou herói, homem da medicina, mágico ou salvador (para os pacientes do Dr. Jung, muitas vezes ele aparece como o Dr. Jung). Um pouco disto, Jung afirma, é bom: todo homem tem em si as sementes de grandeza; e é bom para ele estar ciente disso. Mas um homem anormalmente receptivo à ideia pode se transformar no líder de uma seita revivalista de olhos arregalados, com delírios messiânicos, ou um Hitler, ou simplesmente um Napoleão de hospício.



O arquétipo feminino correspondente é a terra-mãe - a própria fonte da vida. Mas se uma mulher se torna "inflada" com a ideia, e vê-se dotada de uma capacidade incomparável para a compreensão dos problemas dos outros, ela pode se tornar uma super-benfeitora, ou apertar seu círculo de influência maternal até que estrangule os objetos de sua devoção.



Finalmente, elevando-se sobre uma série de arquétipos menores, há o Self transcendente. Este incorpora elementos de ambos, consciente e inconsciente, a partir de todos os arquétipos, bons e maus. É um símbolo de unidade, como é encontrado em muitas religiões, por exemplo, o Atman hindu.



O conceito de Self de Jung conduz para um processo muito importante que ele chama de individuação. Este é o tipo de inteireza que Jung encontrou muitos de seus pacientes buscando inconscientemente depois que eles, na verdade, tinha sido curado de uma neurose. Individuação pode ser uma tarefa para toda a vida (“Normalmente o analista morre antes do paciente”, diz um analista junguiano). Ao conhecer mais e mais aspectos de seu inconsciente, o sujeito pode atribuir valores adequados para os impulsos que já foram meio detectados e que são perturbadores. A individuação é “encontrar o Deus interior”.



A NECESSIDADE DE SÍMBOLOS



Neste processo, os símbolos ajudam. Um que particularmente fascina Jung é o mandala**, um padrão quadrado e circular que contém o número de quatro ou um múltiplo dele. A pedra preciosa, muitas vezes equiparada com a pedra filosofal dos alquimistas, pode simbolizar o Self. O entendimento da figueira como Árvore da Vida é muitas vezes visto como uma única flor luminosa - talvez a Flor de Ouro oriental, ou uma estrela de árvore de Natal - que significa que o caminho da vida é a própria vida.


Que lugar tem tais símbolos na psicologia moderna? Diz Jung: são fatos. Eles aparecem dia após dia nos sonhos e rabiscos de pacientes. Se, por exemplo, um paciente sonha com uma cobra indo em direção ao céu, um analista freudiano vai chamá-lo automaticamente de um símbolo fálico. Jung admite que pode significar isso. Mas é também um fato que a serpente tem um significado muito amplo. Por exemplo, para os ofitas gnósticos (século 2 d.C.) a serpente simboliza o princípio redentor do mundo. Os símbolos pode servir, diz Jung, para o reconhecimento do lado sombrio da vida, trazendo para fora o mal dando-lhe uma abertura. Argumenta Jung: Por que não testar a hipótese de que podem representar uma mesma urgência em um paciente moderno? Além disso, diz Jung, os pacientes são muitas vezes impactados com a aparição de tais símbolos em suas mentes, e temem que eles sejam sinais de proximidade com a insanidade, ficam mais tranquilos quando acreditam que eles estão apenas repetindo padrões humanos antigos.



Em uma era religiosa, de acordo com Jung, o homem não precisa estar conscientemente familiarizado com seus arquétipos, porque a religião oferece seus próprios símbolos. Mas o cristianismo tornou-se tão enfraquecido a este respeito - em grande parte através da Reforma Protestante, diz protestante Jung - que para milhões seus símbolos agora não significam nada. Por esta razão, diz Jung, o catolicismo romano é geralmente mais eficaz hoje do que outras igrejas, e ele raramente encontra católicos na necessidade de individuação. Diz Jung: “[Catolicismo] é uma religião de pleno direito. O Protestantismo não é. Religiões consistem de uma doutrina e um rito. O ritual não existe no Protestantismo: que tem apenas uma perna para se sustentar - a justificação pela fé somente. A Igreja Católica tem o rito também, com todos os seus efeitos mágicos. “O próprio Jung não foi à igreja durante anos, mas quando perguntado se acredita em Deus, ele diz: "Eu não poderia dizer que eu acredito. Eu sei! Eu tive a experiência de ser agarrado por algo que é mais forte do que eu, alguma coisa que as pessoas chamam de Deus”.



Inconscientemente, pelo menos, diz Jung, muitos homens modernos procuram o conforto e segurança de símbolos religiosos. É por isso que muitos tentam importar religiões orientais estranhas; outros se voltam para demagogos e ismos (que Jung considera como erupções vulcânicas do inconsciente), e outros ainda vão para o analista. “Nosso coração brilha, e uma inquietação secreta tortura as raízes do nosso ser”.  “Lidar com o inconsciente tornou-se uma questão de vida para nós.” Por isso, o homem que não consegue encontrar os símbolos religiosos deve ser ajudado pelo analista para entender os símbolos em seu próprio inconsciente. “Eu tratei de muitas centenas de pacientes. Entre [estes] na segunda metade da vida - isto é, mais de 35 anos - não houve um cujo problema em última instância não era o de encontrar uma visão religiosa na vida”.



SONHO COM UM PASSEIO DE CARROÇA



As diferenças práticas entre os métodos de Freud e Jung mostram-se claramente no caso de um empresário de sucesso que foi a um analista junguiano para obter ajuda. Aos 51 anos ele tinha desenvolvido uma fobia contra viagens de trem ou de avião, e expressou uma incontrolável ansiedade e ataques de vertigem.



Apesar da idade do paciente, o psicanalista freudiano ortodoxo teria colocado ele em um divã e convidado para falar em “livre associação”, especialmente sobre a sua mais tenra infância. Objetivo: encontrar qualquer trauma específico relacionado com a sua vertigem, ou algum estresse emocional reprimido.



O analista junguiano não usa divã, mas tem o paciente sentado em uma cadeira e de frente para ele. Esta instalação representa um encontro de iguais: ao contrário de Freud, que queria manter o analista em segundo plano*†, Jung acredita que o médico deve partilhar plenamente a experiência emocional da análise.



O analista junguiano está preocupado principalmente com o presente e o futuro. Este empresário carregava uma carga muito pesada de trabalho por anos. Agora, a partir de seu inconsciente, surgem sintomas que o forçam a reduzir suas atividades. Inconscientemente, ele deve querer desacelerar. Para ajudar o analista a encontrar possíveis motivos inconscientes, o empresário é convidado a falar sobre o seu trabalho e viagens (isto não é livre associação, que, Jung argumenta, tende a levar para longe do foco de interesse).



Depois de várias sessões, o empresário fala de um sonho: “Eu estou sentado em uma grande carroça, carregada de feno, que eu estou dirigindo de volta para o celeiro, mas a carga de feno é tão alta que a verga da porta do celeiro bate-me na cabeça, de modo que eu caio do meu assento e acordo apavorado com o ato de cair”. Para os freudianos, o celeiro é um símbolo dos órgãos genitais femininos; o sonho representa uma tendência a voltar para o útero, porque isso tem conotações de desejo incestuoso, que seria seguido por castigo (castração). Um adleriano interpretaria a carroça sobrecarregada como uma vontade exagerada de poder, em compensação a um complexo de inferioridade.



O analista junguiano toma o sonho mais literalmente. Depois de examiná-lo e reexaminá-lo no contexto de vida do paciente (Jung desconfia de todas as teorias do sonho), o analista sugere este significado: o paciente tem sobrecarregado sua carroça além de sua capacidade; como resultado, suas intenções conscientes recebem um golpe. O sonho é uma tentativa do inconsciente para restabelecer o equilíbrio de uma atitude extrovertida exagerada que está se tornando cada vez menos adequada à medida que o empresário envelhece.



Esta interpretação nega ao paciente a maneira freudiana mais fácil - um trauma de infância para usar como bode expiatório. Ele enfrenta a responsabilidade de rever seus objetivos na vida. Neste caso, o empresário percebeu que tinha vivido uma vida unilateral. Não apenas ficou mais lento, mas ele estava satisfeito em fazê-lo - e poderia fazer viagens sem ansiedade ou sofrer de tontura.



Junguianos costumam dizer que depois que um paciente foi curado de uma neurose em análise freudiana, a sua “alma foi esterilizada”. Diz Jung: “A neurose contém a alma da pessoa doente, ou pelo menos uma parte considerável dela, e se a neurose pode ser retirada como um dente cariado, na maneira racionalista, então, o paciente teria ganhado nada e perdido algo muito importante, tanto como um pensador que perde sua dúvida da veracidade de suas conclusões, ou um homem moral que perde suas tentações... o indivíduo [deve] escolher o seu próprio caminho conscientemente e com a decisão moral consciente”.



PAIS & FILHOS



Um dos problemas do homem moderno, de acordo com Jung, é que ele perdeu contato com suas raízes. Os americanos, por exemplo, ele acredita que ainda não estão em casa em seu inconsciente, estão em um continente deturpado tão recentemente afastado da natureza; isso produz tensão e ajuda a explicar a geração de energia da América*‡. O próprio Carl Jung não está preocupado com a falta de raízes. Ele vem de uma longa linhagem de pastores da Igreja Reformada suíça. Embora ele tenha viajado por todo o mundo, da Índia (onde lecionou) ao Quênia (onde viveu com uma tribo primitiva perto do Monte Elgon), a casa de Jung é a mesma casa que ele e sua esposa Emma construíram em 1908.



Ele teve uma infância solitária em Basileia, começou a aprender latim aos seis, e tornou-se o que viria a classificar como “um tipo introvertido com a função pensamento dominante”. Sua primeira ambição era tornar-se um arqueólogo ou paleontólogo. “Ele ainda está emocionado com a notícia de uma escavação”, diz um discípulo. “Mas nós carregamos história dentro de nós, também, e ele cavou-a lá em cima”.



Em grande parte para agradar seu pai, Jung escolheu medicina. Ele logo ficou fascinado com a psiquiatria. Em 1900, recém-formado, o Dr. Jung foi para Zurique como assistente em uma clínica mental famosa de uma antiga universidade. Após descobrir os escritos de Freud, Jung concebeu testes de associação de palavras que foram saudados como prova da teoria básica de Freud da repressão. Jung e seu chefe, o Dr. Eugen Bleuler, deram às teorias freudianas um prêmio tão ansiado de respeitabilidade pela prestigiada clínica de Zurique. Em 1907 Jung foi para Viena para passar duas semanas com o mestre. “No primeiro dia que conversamos por 13 horas”, lembra ele. “Nós conversamos sobre tudo. Mas eu não conseguia engolir o chamado positivismo da ciência, seu ponto de vista meramente racional da psique e seu ponto de vista materialista”.



Mais tarde, cruzaram o Atlântico juntos em seu caminho para a Universidade Clark, em Worcester. Freud e Jung debateram interminavelmente sobre problemas psicológicos e analisaram os sonhos um do outro. Freud lançou Jung no papel de seu filho e herdeiro intelectual. Mas os dias agradáveis tinham acabado. Em Munique, em 1912, Freud censurou Jung por escrever sobre a psicanálise sem mencionar o nome de seu fundador. A conversa voltou-se para o rei do Egito Amenhotep IV como fundador de uma religião. “Ele é o único que riscou o nome de seu pai sobre os monumentos”, disse Freud”. ”Sim”. Jung respondeu, “mas você não pode descartar Amenhotep. Ele foi o primeiro monoteísta entre os egípcios. Ele foi um grande gênio, muito humano, muito individual. Ele ter riscado o nome de seu pai não é a questão principal de todas”. Diante disso, Freud desmaiou. A explicação de Jung: “Indiretamente, ele continuava a sua censura que eu tinha riscado o nome do pai - isto é, o nome dele”.



Quando Jung negou a natureza predominantemente sexual da libido, Freud entendeu como uma rebelião aberta. Por volta de 1913 o rompimento foi total: Jung escreveu: “eu não poderia fazer nenhum trabalho adicional com ele se ele não desistisse dessa atitude dogmática”. Freud disse: "Nós resolvemos deixar um ao outro sem sentir a necessidade de se encontrar novamente!”



O ALQUIMISTA



Uma das questões mais controversas sobre Jung – fora da psiquiatria - diz respeito a Alemanha nazista. Alguns de seus escritos sobre a raça foram usados por outras pessoas para propaganda racista. Principalmente porque ele ocupou a direção de uma revista psicanalítica alemã durante o regime nazista (seu co-editor na época era um parente de Hermann Göring), Jung as vezes tem sido acusado de simpatizar com nazistas. A posição de Jung: como um estrangeiro de renome, ele simplesmente assumiu o cargo de salvaguardar o que podia da psiquiatria alemã.



Desde a guerra, Jung viveu às margens do Lago de Zurique, tratando de alguns pacientes e mantendo um olhar atento sobre o paciente mais difícil de todos - o mundo em geral. Ele nunca parou de escrever, rever seus conceitos, ou alargar o escopo dos seus inquéritos. Ele explorou a alquimia medieval, não porque ele tivesse interesse em seus aspectos pseudo-químicos, mas porque ele considera interessante psicologicamente: para a maior parte, ele vê os alquimistas como buscadores da experiência religiosa original, a margem dos limites admissíveis pela igreja medieval.



A maioria dos pacientes de Jung foram mulheres, e ele teve algumas coisas pé no chão a dizer sobre o status da mulher no mundo moderno. Ela tem, pensa ele, perdido o antigo ideal de casamento (“Ele será o teu mestre”). A tradição de que é o homem que geralmente rompe um casamento não é mais verdade: “Hoje a vida torna tais exigências sobre o homem, como o nobre fidalgo Don Juan, não mais vistas em nenhum lugar exceto no teatro. Mais do que nunca, o homem ama o seu conforto, já não existe um excedente de energia para explorar o mundo e duelos”. A mulher, por sua vez, demora mais tempo do que nunca para encontrar um marido, “pelo desejo tranquilo e obstinado de que funcione. Magicamente, como o olho fixo da cobra”. Como homens e mulheres adotam mais das funções e interesses tradicionalmente atribuídas ao outro sexo, Jung acredita que uma nova relação entre eles está em desenvolvimento, com base na igualdade e parceria.



Recentemente, em Resposta a Jó (acaba de ser publicado na Inglaterra, ainda não nos EUA), de repente ele abordou a proclamação papal do dogma da Assunção da Virgem em 1950, que ele considera o maior evento religioso desde a Reforma. Sua explicação do dogma: era, ele afirma, histórica e psicologicamente necessário, porque a massa de mulheres católicas romanas (pelo menos inconscientemente) exigia, para dar-lhes um símbolo de identificação no céu.



DÚVIDAS FREUDIANAS



Quão grande é a influência de Jung hoje? Os freudianos, confiantes de que eles são os donos da verdade psiquiátrica revelada, travam uma cruzada para seu próprio dogma e procuram convertidos com zelo evangélico. Jung, pelo contrário, por um longo tempo não teria sequer se preocupado em criar uma escola de formação para os analistas que queriam segui-lo, e ele ainda se recusa a buscar convertidos. Proselitismo, em seu livro, é apenas um reflexo de dúvidas inconscientes. Até 1948 era um único Instituto C. G. Jung com sede em Zurique, e Jung deu-lhe pouco mais de apoio do que o seu nome. Ele agora tem cerca de 100 alunos de 14 países, incluindo os EUA, Dinamarca, Índia. Londres, Nova York, São Francisco e Los Angeles são os próximos grandes centros de influência junguiana; em cada um há um punhado de analistas treinados pelo próprio Jung ou por seus primeiros discípulos. São Francisco tem um pequeno instituto de formação, e um está sendo criado em Los Angeles. A Fundação Bollingen* está trazendo suas obras completas (quatro volumes publicados, 14 por publicar).



A influência de Jung na prática psiquiátrica, embora muitas vezes não reconhecida, foi concedida pelo falecido A. A. Brill, o principal dos freudianos americanos, que o chamou de “o psicanalista pioneiro em psiquiatria”. Freud acreditava que a análise foi útil apenas nas formas mais leves da doença emocional (neurose). Jung foi um dos primeiros a usá-lo para interpretar a esquizofrenia, a mais comum das psicoses mais graves (que preenche 300.000 leitos hospitalares nos EUA).



Os resultados do tratamento precoce na análise foram apenas tentativas. Mas então veio a insulina e o metrazol, e agora, nos últimos dois anos, vieram duas novas drogas, clorpromazina e reserpina, que estão fazendo milhares de casos supostamente sem esperança de esquizofrenia acessíveis às técnicas analíticas.



A FACE NATURAL



O valor final das ideias de Jung ainda não pode ser medido pelos padrões práticos. Sua grande conquista é que ele tem mostrado à psicologia uma nova direção: ele fez uma psicologia para os seres humanos que caminham em direção ao desconhecido, o intangível, o espiritual. Ele atacou a meta de ajustamento psicológico, o que é bom “para o êxito, para todos aqueles que ainda não encontraram uma adaptação”, mas que, para outros significa apenas “restrição ao leito de Procusto, o tédio insuportável, esterilidade infernal, e desesperança”. Mesmo ele sendo apenas a metade direita, Jung sugeriu à humanidade uma forma de "ajuste" não apenas para seus instintos animais e pressões sociais, mas para seus grandes paradoxos e suas necessidades religiosas eternas. [N.T. Na mitologia grega, o gigante chamado Procusto convidava as pessoas para passarem a noite em sua cama de ferro. Mas havia uma armadilha nesta hospitalidade: ele insistia que os visitantes coubessem, com perfeição, na cama. Se eram muito baixos, ele os esticava; se eram altos, cortava suas pernas.]




Vivendo feliz em sua antiga casa, cercado por 19 netos e dois bisnetos, o velho parece a muitos de seus seguidores o caso mais convincente em apoio as teorias junguianas. Terá conseguido Jung a individuação? Diz ele: “Individuação significa tornar-se o que se está realmente pretendendo ser. No Zen Budismo eles têm um ditado que diz: “Mostre seu rosto natural. Eu acho que eu tenho mostrado meu rosto natural, muitas vezes, para espanto do meu tempo. Sim, eu atingi a individuação – graças ao céus! Caso contrário, eu seria muito neurótico, você sabe”.



* Freud e seus seguidores sempre insistiram que o nome "psicanálise" pertence apenas a sua teoria e método. Adler chamou de “psicologia individual”; a de Jung é “psicologia analítica”.



** O mandala, significa círculo mágico em sânscrito, é mais conhecido como uma ajuda para a contemplação entre os budistas e outras seitas orientais. O mandala cristão medieval mostra Cristo no centro, com os quatro evangelistas nos pontos cardeais.



*† Disse ele: “Eu não posso deixar-me encarar durante oito horas por dia”.



*‡ Uma vez um analista de Zurique teve de lidar com uma nova paciente tão tensa que parecia que ela não tinha mera neurose, mas uma psicose começando. Alarmado -  porque a análise nesta fase pode desencadear uma crise psicótica o analista procurou Jung para aconselhamento. O mestre ouviu os sintomas e, em seguida, perguntou: “Americano? Do Centro-Oeste?” O analista assentiu. “Bem, então, eu acho que você está bastante seguro”, disse Jung, “mas eu me preocuparia se fosse um europeu”.



* Instituído pelo seu admirador americano Paul Mellon de Pittsburgh, e nomeado como a pequena construção de Bollingen no Lago de Zurique, onde Jung passa muitas férias e períodos de meditação.

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